Injúria: TJ/MG absolve irmãos que teriam ofendido guarda
Atlético Mineiro x Cruzeiro: Entenda o caso.
No dia 10 de novembro de 2019, por volta das 18h00, após o jogo entre Cruzeiro e Atlético Mineiro, os irmãos Adrierre e Natan injuriaram, segundo consta na peça inicial, um segurança privado.
Entre as ofensas proferidas, termos como "Macaco", Filho da Puta", "Veado" e "Olha sua cor" foram utilizados.
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, posteriormente, ofereceu denúncia contra os acusados deste modo:
Contra Adrierre Siqueira da Silva: Injúria qualificada pela "violência ou vias de fato" (Art. 140, 2º, CP) com aumento de pena pela "presença de várias pessoas" (Art. 141, III, CP) em concurso material com a prática de "discriminação ou preconceito de raça e cor" (Art. 20, da Lei nº 7.716/89).
Contra Natan Siqueira Silva: Injúria qualificada pelo uso de elementos de raça e cor (Art. 140, 3º, CP) com aumento de pena pela "presença de várias pessoas" por duas vezes (Art. 141, III, CP).
A sentença
Sobre a sentença é necessário entender alguns pontos relevantes que levaram à absolvição dos irmãos:
1º) Em relação à qualificadora prevista no Art. 140, 2º, CP, a ação só poderá ter seu andamento mediante queixa realizada pelo segurança num prazo decadencial de 06 meses (Ver tópico Um crime de ação pena privada: Entenda!). Tendo em vista que o segurança se manteve omisso em relação ao fato nesse sentido, está extinto o poder punitivo do Estado em relação à Adrierre.
2º) Sendo afastado o crime de injúria pela decadência do prazo, o crime de Discriminação pelo qual também foi imputado e que está descrito no Art. 20 da Lei nº 7.716/89 ocorre quando várias pessoas ou uma comunidade é atacada. No caso em questão, observa-se pelo vídeo que a honra subjetiva de uma determinada pessoa apenas, a saber, do segurança foi atacada. De tal modo, não há que se falar nesse crime.
3º) Em relação ao Art. 140, 3º e Art. 141, III, do CP, ambos seguiram devidamente, pois necessitam da representação da vítima, o que de fato houve. Sobre esses fatos, o Tribunal entendeu (e aí sim!) que o houve uma provocação reprovável por parte da vítima e, observando o que está descrito no Art. 140, 1º, I, do Código Penal, entendeu por deixar de aplicar a pena neste caso específico e também em conceder o perdão judicial ao torcedor, declarando a extinção da punibilidade pelo delito praticado.

Injúria Racial (Art. 140, CP)
O crime de injúria está previsto no Art. 140 do Código Penal no interior do rol dos crimes contra a honra, onde a ação criminosa se caracteriza pela ofensa à dignidade ou decoro de alguém.
O que é defendido?
No caso da Injúria, busca-se defender a honra subjetiva da vítima, ou melhor, de seus atributos físicos, morais e intelectuais. A própria pessoa vítima da ação que irá sentir aquilo como ofensa. Havendo, entretanto, consentimento da vítima ofendida, se ela própria não entender assim, não há que se falar em crime.
O que significa injuriar?
O ato de injuriar diz respeito à atitude ofensiva, humilhante, insultante ou mesmo sobre a forma de se falar mal de alguém. Não necessariamente precisa ser falada diretamente, pois o crime pode ser cometido através da escrita, do gesto, das redes sociais ou mesmo por comunicação telefônica, entre outras formas.
A ação é realizada de dois modos:
1. Ofensa à dignidade: Se encaixam aqui os atributos morais, como o modo em que as pessoas enxergam o seu caráter ou a sua própria honra. Exemplos comuns ocorrem quando uma pessoa chama outra de canalha, safada, vagabundo etc.
2. Ofensa ao decoro: Aleijado, ceguinho, porco, baleia ou burro, ignorante, louco, são exemplos de ofensas relacionadas às características físicas ou intelectuais, respectivamente e que denotam formas de ofensa ao decoro.
Tentativa e Consumação
A doutrina muito discute a possibilidade da tentativa para o crime de injúria. Ainda que muitos entendam a possibilidade de existir, se entendermos que a injúria somente se consuma no momento em que a vítima tem por conhecimento a ofensa, não seria possível a tentativa, ainda que terceiro tome conhecimento, uma vez que a partir do momento em que a vítima tomar conhecimento da tentativa o crime já não será mais tentado, mas consumado.
Um crime de ação penal privada: Entenda!
Por vezes você já deve ter escutado por aí que um crime é de ação penal privada ou que é de ação penal pública e ficou na dúvida sobre o que exatamente isso significa.
Para entender melhor, primeiro é necessário compreender que o Estado é o único que possui o poder para punir uma pessoa e detém a legitimidade para iniciar uma ação penal para a vítima ou seu representante.
A diferença técnica entre um crime de ação penal pública ou privada, portanto, está no fato de que nos crimes que a ação penal é pública o Estado exclusivamente detém esse poder para propor uma ação em defesa da vítima. No caso da ação penal privada, porém, ele transfere ao particular o direito de entrar com essa ação, como acontece com o crime de injúria.
Ainda há casos, inclusive no próprio crime de injúria, em que o exercício do Poder Público não é pleno. Quando a lei determinar, para que o Ministério Público possa dar andamento a uma ação, será necessário autorize por meio de uma representação, onde se busca respeitar a vontade da vítima.
Transferida a legitimidade, o Estado apresenta um prazo de validade para o exercício desse direito. No caso do Código Penal Brasileiro, o direito do ofendido de prestar queixa é de 06 meses a partir do momento em que a vítima possua conhecimento de quem praticou o crime.
Aplicado ao segurança da partida entre Atlética Mineiro e Cruzeiro, tendo ciência dos autores, ele teria seu prazo decadencial de seis meses contados a partir daquele momento para exercer seu direito de queixa contra Adrierre e Natan no caso da qualificadora prevista no Art. 140, 2º, CP.
Qualificadoras
As qualificadoras são elementos que acontecem dentro de um determinado crime e que consequentemente fazem com que a pena desse se torne mais grave. No caso do crime de injúria, existem duas qualificadoras: a real (consistente na inclusão da violência ou vias de fato) ou aquela por motivos de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Dúvidas frequentes:
1) Qual a diferença entre Injúria Racial e Racismo?
R: O Racismo está previsto na Lei nº 7.716/1989 e é uma conduta dirigida a um determinado grupo de pessoas ou contra uma coletividade. Pegando como exemplo o caso do jogo no Mineirão, o ato praticado pelos torcedores foi contra apenas uma pessoa e, portanto, não se enquadra como crime de racismo. Na prática, o crime de Injúria Racial depende de um advogado para dar andamento no processo após o registro do Boletim de Ocorrência pela vítima; entretanto, no crime de Racismo - que não prescreve e nem há fiança - após a conclusão do Inquérito e a análise do Ministério Público, o prosseguimento da ação é realizado pelo próprio Estado.
2) E se o fato narrado for verdade? Ainda assim será crime?
R: Diferente dos crimes de Difamação e Calúnia, na Injúria jamais será admitida a exceção da verdade, tendo em vista que o crime diz respeito à opinião do ofendido sobre ele mesmo.
3) É possível o crime de injúria de modo virtual?
R: Sim. Julgados recentes do STJ entendem ser admissível a reparação ao dano causado à imagem da vítima quando o crime for cometido por meios virtuais. Nesses casos, a primeira conduta a ser tomada é a notificação do provedor responsável pelo site ou rede social. Tal empresa terá o dever de excluir a publicação ofensiva e também de indicar o IP do computador utilizado.
Bibliografia
Decreto-Lei nº 2.848 de 1940 (Código Penal)
Decreto-Lei nº 3.689 de 1941 (Código de Processo Penal)
Lei nº 7.716 de 1989 (Crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor)
Processo nº 1.0024.19.121321-4/001 (Tribunal de Justiça de Minas Gerais)

